O surgimento da Igreja em Vitória foi um processo difícil, amargo, traumático. Se deu através de um parto de dor. O nascimento da Igreja, além de ter sido precedido de um processo trabalhoso, ocorreu em leito doloroso, para usar uma linguagem poética. Waltir Pereira da Silva, nascido em 21 de fevereiro de 1930, convertido a Cristo em 1948, relata o seu testemunho acerca desse processo:

Surgiu, pelo que me vem à mente, lá pelo ano de 1972. Em 1970, entendi que Deus me mandava exercer meu ministério em Vitória, no Espírito Santo e vim. Mas, eu já começava a questionar a minha ex-denominação. Como líder, passei a conhecer, por dentro, as lutas e disputas políticas entre os grandes das Juntas, dos Seminários, das Ordens de Pastores, das Convenções. Isso me entristecia. Mas, que fazer? Esse estado de coisas foi o germe de tudo, do ponto de vista humano. Era Deus fazendo a obra, embora não tivesse consciência do que me estava ocorrendo. No meio dessa efervescência, orava e, nesse tempo o grupo do qual eu era pastor chamava-se Igreja Batista de Praia de Suá. Era a igreja do Bairro Praia de Suá, em Vitória, ES. A mocidade passou a orar e orava até pelas madrugadas, às vezes. O auditório ficava totalmente cheio. Havia conversões, batismos. Demônios se manifestavam e eram expulsos. Passou a maioria dos lideres da igreja a pensar que eu era “batista de renovação” e nascia e crescia por parte dos líderes chefes da igreja um movimento contra mim. Lá pelos idos de 1972, pelo que me recordo, alguns pastores, um de São Paulo e outro de Belo Horizonte começaram a me dizer que a igreja batista estava errada. Ouvindo-os, em parte procurava resistir, opondo-me com argumentos que podia achar. Mas, experiente, eu via que, também, esses líderes não deixavam de ter razão. Eram cultos e eu os conhecia há anos. Um deles me falou de alguns líderes denominacionais que, na Argentina, começavam a buscar a igreja segundo o Novo Testamento. A igreja denominacional que eu pastoreava, bem como todas as demais igrejas que eram envolvidas com suas denominações passaram a não me interessar. Passei, vagarosamente, a interessar-me por essa igreja neotestamentária. Mas, como era essa igreja? Aí, vieram as dores. Com mais de quarenta anos de idade. Casado. Pai de três filhos. Tinha-me preparado com curso superior de teologia para ser pastor batista. Preparei-me por mais de vinte anos para servir como pastor de uma igreja batista; igreja denominacional e descobri que tal igreja do ponto de vista neotestamentário, estava eclesiológicamente errada. Só em 1972, com 42 anos de idade, é que consegui um segundo diploma de nível superior, embora já tivesse lecionado por anos algumas disciplinas em curso superior de teologia em dois grandes seminários da denominação à qual eu pertencia, mas eu não tinha, até então, preparação adequada, para exercer uma profissão além de servir às igrejas da denominação.

Duas certezas iam-se apoderando vagarosamente, de mim, no decorrer dos meses dos anos de 1972 e 1973.

  1. Sabia que a igreja denominacional não era a igreja do Novo Testamento.
  2. Não sabia, plenamente, o que era a igreja do Novo Testamento.

No final de 1973 já me estava sendo impossível ser de uma denominação. Via-me caindo do “cavalo” da denominação. E, aí? Que fazer? Como sustentar a família? E, para piorar, eu não sabia o que era, de fato, uma igreja neotestamentária. Eu sabia o que a igreja não era, mas não sabia, com exatidão, o que a igreja era. Às vezes, falava à minha esposa: Estou caindo da denominação e, olhe, não sei até onde vou cair. Mas, de uma coisa eu estava certo: Deus me chamou para o seu serviço e sou sério com o meu Deus. Ele sabe disto.

Os dias corriam. Eu tinha paz na guerra. Eu tinha três convicções:

  1. Deus não chama o capacitado pelos homens;
  2. Deus capacita o seu chamado;
  3. Só Deus pode realmente capacitar.

Aí, em meio ao lusco-fusco da embrulhada de uma saída de uma igreja denominacional à qual eu pertencia por muitos anos, e, na expectativa da entrada na igreja segundo o Novo Testamento, estabelecida na base da localidade fui vivendo aqueles meses de final de 1973 e início de 1974. Em fins de 1973 ou início de 1974, tive uma conversa com um pastor famoso de São Paulo, que me indicou um líder argentino, Juan Carlos Ortiz, o qual tinha literatura boa sobre a igreja do irmão Washman Nee. Prontamente, escrevi para Juan Carlos Ortiz, o qual me presenteou, enviando-me pelo correio, o livro: “La Iglessia Normal”. Este foi o meu grande livro, pelo qual contemplei a igreja dos Atos dos Apóstolos. Desse modo, enquanto pudesse haver na cabeça dos obreiros de Suá de que eu era um batista renovado, no meu coração eu não era mais, nem tradicional nem renovado. Em mim o denominacionalismo tinha morrido. Só me restava o que Deus deixou que restasse: A igreja da localidade. No caso: A Igreja em Vitória.

Consciente de que eu não era mais batista e sim, um cristão que tinha tido de Deus revelação da igreja, pois esta é um mistério (Ef. 5.32), continuei discutindo o assunto com minha esposa, a qual estava de acordo comigo de ponta à ponta, bem como prossegui orando ao meu Deus e buscando Dele sua misericórdia para não errar, para em tudo acertar e para agradar-Lhe plenamente, embora isso resultasse em ferimento do meu ego. Deus me assistiu e entrei na guerra. Só mesmo o grande e único Deus, para me dar, como me deu resistência para enfrentar, como enfrentei e continuo a enfrentar, a Satanás, pelas oposições vindas de corações denominacionalistas.

Assim, chamei os líderes da Igreja Batista de Praia de Suá e lhes disse que eu iria deixar o pastorado. Foi numa quinta-feira, 12 de Setembro de 1974, que tive a minha última Sessão de Negócios com a igreja batista de Suá e, recordo-me, que cantei o hino 79 do Cantor Cristão: “Um Bom Amigo”, e li Mt.16.24-27 e, em paz, sem brigar, sem convidar ninguém para sair comigo, sem carregar nada de material da igreja, mas tendo-lhes deixado exemplo de vida cristã, trabalho e honradez, saí para enfrentar o desconhecido, certo de que Deus não me desampararia. Como Abraão, saí em busca da terra prometida: A real igreja de Deus. De tudo que falo, meu Deus é testemunha. Falo a verdade. Não minto. Com minha saída e da minha família que comigo saiu e até hoje (maio de 2000), vinte e cinco anos depois, todos estamos na igreja. Só que agora, já com meus queridos e amados netos. Com minha saída saíram comigo, sem que eu os chamasse, alguns poucos irmãos e seus filhinhos. Contando entre adultos e crianças, não sei se chegávamos a umas cinqüenta pessoas, todas pobres. Quase todas incultas. Nessa mesma quinta-feira (12-09-1974), ao chegar à minha casa, assentei-me com minha família e começaram a chegar alguns irmãos. Perguntei a uma irmã: Dilce, você vai sair da denominação? Ela respondeu-me: “Não senhor. Já saí”. Também, levantou-se o irmão Izimbardo, neste mesmo dia, 12-09-1974, com lábios proféticos leu Ageu 2.9, que diz: “A glória desta última casa será maior que a da primeira, diz o Senhor dos Exércitos; e neste lugar darei a paz, diz o Senhor dos Exércitos”.

Como era natural, ao ver chegar à minha casa aquele grupo de irmãos, fiquei apreensivo e dizia comigo mesmo: Que farei? Pois eu não estava plenamente certo do que a igreja era. Eu iria lutar. Mas, por que poria outros a lutarem? Assim, ali mesmo, combinamos uma ida a uma pequena igreja, igreja filha da Igreja de Praia de Suá, na Serra, que eu mesmo, como pastor de Praia de Suá, havia organizado num bairro para lá de Carapina e que levou o nome de 1ª Igreja Batista da Serra. Soube que depois lhe mudaram o nome. Desse modo chegamos lá, a esse pequeno grupo denominacional. No entanto, já havia chegado lá, antes de nós, o ódio denominacional. Eu queria encaixar os irmãos ali, enquanto eu ia caminhar pelos caminhos certamente acidentados. Mas, o “campo” já estava “minado”. Religiosos já tinham feito a cabeça dos líderes contra nós. Aí, caso ficássemos, seria para continuar as batalhas, não de Deus mas do homem. Isto foi na manhã de 15 de Setembro de 1974 (um Domingo). Mas, disseram os irmãos: Por causa de briga, saímos de Praia de Suá e vamos continuar brigando aqui? De novo enchemos a carroceria do pequeno caminhão Ford do irmão Nourival Cardozo e retornamos para Vitória. Os que saíram de Praia de Suá cabiam todos na carroceria de um pequeno caminhão e logo marcamos a Primeira Reunião Da Igreja na casa dos irmãos Nourival e Marizete Cardozo, Maria Corrêa e Filhos. Nessa noite feliz e memorável, 15 de Setembro de 1974, levantei-me perante a assembléia toda que cabia na pequena cozinha e na copa média da casa, e disse: A IGREJA SE CHAMA IGREJA EM VITÓRIA. E acrescentei: É assim que está escrito em o Novo Testamento. Desde esse grandioso 15 de Setembro de 1974, sem interrupção, temos percorrido a mesma estrada que Deus começou a nos mostrar e assim, alegremente, continuamos nossa carreia sempre olhando para Cristo, o Senhor da Igreja.

Passamos por momentos de falta de luz. Houve muita dificuldade. Em muitos momentos não se via, de modo pleno, a estrada pelo que estávamos passando. Mas, mercê de Deus, a busca pela igreja, prosseguiu segundo os planos de Deus, e tudo foi-se entrelaçando com a luz emanada dos céus, e a igreja foi começando a existir e para a glória de Deus continuará até a sua vinda.

Perguntas:

  1. Todos os que saíram da Igreja Batista permaneceram na Igreja surgida com a visão da localidade?
    Não. Alguns nos deixaram. Por que? Primeiro, porque não tiveram visão da igreja na localidade segundo o Novo Testamento. Depois, porque descobriram que eu não ia fazer nenhuma movimentação, nenhum ativismo religioso. Também, viram que teríamos de esperar de Deus, luz ou maior clareza sobre a natureza da igreja. Observaram que éramos como um grupo sem futuro: Só de pobres, sem estrutura. Éramos como um grupo de visionários por causa da nossa fidelidade à Palavra de Deus. Deus foi nos deixando parecer como um resto quase desprezível, mas, ficamos firmes como quem vê o invisível.
  2. Surgiram obstáculos no processo de formação da Igreja emVitória?
    Sim. Foram inúmeros os obstáculos. Por exemplo: Alguns queriam que fizéssemos movimentação religiosa. Queriam que promovêssemos escola dominical para toda a pequena igreja. Uns queriam que as irmãs não usassem calça comprida. Outros achavam que essa ou aquela denominação era melhor. Alguém me chamava propondo: Vamos fazer isto e aquilo. Eu dizia: Nada vou fazer, se não o que já estamos fazendo. Quem quiser fazer movimento, vá para uma das muitas denominações existentes e se integre lá. Por que fazer cá, o que lá já fazem? Meu caso é saber o que é igreja e nisso permaneço. Que isso custe minha morte. Foi dura a prova. Mas, Deus me sustentou. Disse certa vez: Quem quiser ir embora, vá. Ficarei com minha família e mais três ou quatro ou cinco irmãos esperando que Deus nos mostre a igreja do Novo Testamento. Desse modo, fomos ficando na esperança da visão dos céus para a igreja na terra. Não fosse a graça de Deus, não teríamos suportado.
  3. Apareceram grupos que pertubaram a Igreja em Vitória depois do seu estabelecimento, em 15 de setembro de 1974?
    Sim. Apareciam elementos que nos definiam como tradicionais. Outros diziam que éramos pentecostais. Nós nos reunimos até 1976 na casa do irmão Nourival Cardoso e, certa vez, lá estava uma gaiola com um passarinho e um irmão de certo grupo nos disse: Igreja não pode ter gaiola com passarinho.

Por volta de 1982, alguns poucos que tinham surgido entre nós, falaram-nos de um grupo de São Paulo que defendia o princípio da igreja na localidade. Ficamos felizes e nos abrimos ao grupo. Fomos a São Paulo várias vezes. Os seus líderes vieram a Vitória. Comecei a pesquisar, a observar o que ensinavam e o que praticavam. Ví alguns poucos equívocos teológicos e constatei desvios dos princípios das igrejas locais segundo o Novo Testamento. Firmamo-nos na Palavra de Deus e nela permanecemos e vimos, não com alegria, que organizaram uma chamada Igreja em Vitória, depois de nós aqui estarmos vários anos antes deles. Ora, traíram a Palavra de Deus, pois que me conheciam. Hospedei-os em minha casa e concordavam comigo o tempo todo em que estivemos juntos, em vitória, e em São Paulo. Ora, se já havia, antes deles, aqui a Igreja em Vitória, como, biblicamente, poderiam organizar outra Igreja em Vitória? Ao examinar, ao contemplar a ação histórica do grupo proveniente de São Paulo, não foi difícil concluir que se tratava de uma denominação chamada igreja local, que ensina que a igreja é local, mas que conserva um comando central como qualquer outra denominação, fora da localidade. Desse modo se vê que há divergências entre o ensino teórico sobre a igreja e a prática da igreja na localidade.

Em 1984 apareceu outro grupo. Este havia brigado entre os Wesleyanos e por causa dessa briga saíram. Alguém me falou que queriam a igreja. Nova alegria. Fui ao líder do grupo e dei-lhe a mão, ensinei-lhe sobre a igreja, mostrei a ele a visão da igreja do Novo Testamento. Confesso, errei fazendo presbítero comigo, sem ter estudado as razões da sua saída de lá. Foi um perigo, pois expus a igreja. . Fomos caminhando “juntos” e com o passar do tempo, veio a decepção ao verificar megalomania, interesses inferiores, ações escondidas, tudo sob disfarce. Cheguei a conclusão que não dava para caminhar juntos, até que, no final de 1986 (novembro), houve a separação e o referido líder com seus liderados organizaram a Segunda aberração: Outra igreja chamada Igreja em Vitória. E, daí, começou esse equívoco eclesiástico a se expandir.

Concluindo, quero dizer que quem desejar encontrar a Igreja em Vitória, ou em qualquer outra localidade, se pessoa séria, comprometida com Deus, deverá proceder um estudo sério da história e dos princípios neotestamentários norteadores dessa igreja sob a orientação do Espírito Santo de Deus.